Quando chego sinto-me completamente extenuado, foram provavelmente os melhores e piores 18 quilómetros desde que saí de Lisboa. Além do corpo ainda se ressentir dos quilómetros que já trazia no pelo e das bolhas, o caminho apesentou-se tal como prometido: difícil, mas igualmente compensatório. Por mais que tentasse nunca seria realista ou fantasioso o suficiente para fazer justiça às paisagens que me foram oferecidas aos sentidos, porque além de ver é necessário sentir tudo o que nos rodeia. Chego à Zambujeira com a triste impressão do meu mapa estar errado, questiono três anciãos que se deixavam estar à sombra da igreja neste final de tarde, mas nunca me passou pela cabeça encontrar tamanha mestria geográfica e histórica daquela zona numa só pessoa. Um sábio de noventa primaveras de sabedoria, era conhecedor de toda a costa vicentina e até do nome e história de todas as praias, arribas e até de pequenas e singelas rochas que se erguiam por entre as ondas, desde Zambujeira até à minha odiada Arrifana.
Deu logo conta do erro, corrigiu-o e explicou-me que o que estava definido como praia do Castelo Velho era na verdade um promontório que se prolongava mar adentro. Segundo o mestre, deu-se, há muito tempo atrás, num dia de tormenta, um naufrágio de um navio que transportava madeira. Os marinheiros acabaram todos por se salvar subindo aquele braço de rocha, mas este porém foi condenado a chamar-se pelo nome do navio que tomou: Castelo Velho.
O mestre mostrou-se também algo incomodado com as mudanças dos nomes das praias, chegamos ambos à conclusão que todo o nome dado tem um significado e uma história, perdido no tempo, ou imortalizado até a ultima memória deste se perder com a morte de anciãos como este mestre. Ele falava do antigo nome da Praia D'Amália, que era desde que ele se lembrava a Praia da Seiceira e que nem mesmo quando ele servira na Marinha e lá teve de ir recolher duas peças de artilharia, que lá tinham dado à costa, esta não mudara de nome para relembrar tal facto. Infelizmente estava cansado e sem água, e vi-me por isso obrigado a retirar-me para satisfazer essas necessidades, apesar da minha vontade ser ficar e aprender tudo o que pudesse daquela fonte de sabedoria.
Um dos últimos moinhos tradicionais do Algarve
A ponte que faz fronteira entre o Algarve e o Alentejo
Os caminhos que me levam do parque de campismo até à praia de Odeceixe
A paisagem que me fez companhia até a Azenha do Mar
Porto de pesca de Azenha do Mar
O caminho pare e após da Praia D'Amália
O caminho até a Zambujeira do Mar.
(...)
Acordo com uma manhã esplêndida para quem procura praia, para mim está um inferno, desmonto a tenda depois de um revigorante banho quente, já com a mochila às costas despeço-me do Buba (Bruno) e do Pedro, dois compinchas de Lisboa, com quem travei amizade ontem enquanto me instalava no parque, são duas personagens dignas de uma boa comédia, sempre ébrios e com uma felicidade que lhes era natural, tirando quando faziam frequentes pausas para se insultarem, despedimo-nos com intenção, se o acaso permitir, de nos voltarmos a ver na noite de Lisboa, quando estiver em melhores condições físicas para uma maratona de alcoolémia e festa. Fico a saber que o responsável pelo parque é também um caminhante por excelência e já palmilhou vastas áreas em território português, suíço, brasileiro, argentino e uruguaio, talvez um dia possa fazer o mesmo.
Tenho o pé esquerdo numa lástima, a sapatilha direita a desfazer-se, e vejo-me por isso numa difícil situação, mas muito à português faço um desenrasque com ligaduras para o pé e uns atacadores que tinha a mais para prenderem a sola ao resto da sapatilha, e parto assim. Lembro-me do velho proverbio chinês que diz: "há três coisas que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida" e admito em tom de brincadeira que eles se esqueceram dum coelho vadio que fixou uma meta.